domingo, 11 de outubro de 2009

Os girassóis e nós. ( Fábio de Melo)

Eles são submissos. Mas não há sofrimento nesta submissão. A sabedoria vegetal os conduz a uma forma de seguimento surpreendente. Fidelidade incondicional que os determina no mundo, mas sem escravizá-los.

A lógica é simples. Não há conflito naquele que está no lugar certo, fazendo o que deveria. É regra da vida que não passa pela força do argumento, nem tampouco no aprendizado dos livros. É força natural que conduz o caule, ordenando e determinando que a rosa realize o giro, toda vez que mudar a direção do Regente.

Estão mergulhados numa forma de saber milenar, regra que a criação fez questão de deixar na memória da espécie. Eles não podem sobreviver sem a força que os ilumina. Por isso, estão entregues aos intermitentes e místicos movimentos de procura. Eles giram e querem o sol. Eles são girassóis.

Deles me aproximo. Penso no meu destino de ser humano. Penso no quanto eu também sou necessitado de voltar-me para uma força regente, absoluta, determinante. Preciso de Deus. Se para Ele não me volto corro o risco de me desprender de minha possibilidade de ser feliz. É Nele que meu sentido está todo contido. Ele resguarda o infinito de tudo o que ainda posso ser. Descubro maravilhado. Mas no finito que me envolve posso descobrir o desafio de antecipar no tempo, o que Nele já está realizado.

Então intuo. Deus me dá aos poucos, em partes, dia a dia, em fragmentos.

Eu Dele me recebo, assim como o girassol se recebe do sol, porque não pode sobreviver sem sua luz. A flor condensa, ainda que de forma limitada, porque é criatura, o todo de sua natureza que o sol potencializa.

O mesmo é comigo. O mesmo é com você. Deus é nosso sol, e nós não poderíamos chegar a ser quem somos, em essência, se Nele não colocarmos a direção dos nossos olhos.

Cada vez que o nosso olhar se desvia de sua regência, incorremos no risco de fazer ser o nosso sol, o que na verdade não passa de luz artificial.

Substituição desastrosa que chamamos de idolatria. Uma força humana colocada no lugar de Deus.

A vida é o lugar da Revelação divina. É na força da história que descobrimos os rastros do Sagrado. Não há nenhum problema em descobrir nas realidades humanas algumas escadarias que possam nos ajudar a chegar ao céu. Mas não podemos pensar que a escadaria é o lugar definitivo de nossa busca. Parar os nossos olhos no humano que nos fala sobre Deus é o mesmo que distribuir fragmentos de pólvora pelos cômodos de nossa morada. Um risco que não podemos correr.

Tudo o que é humano é frágil, temporário, limitado. Não é ele que pode nos salvar. Ele é apenas um condutor. É depois dele que podemos encontrar o que verdadeiramente importa. Ele, o fundamento de tudo o que nos faz ser o que somos. Ele, o Criador de toda realidade. Deus trino, onipotente, fonte de toda luz.

Sejamos como os girassóis...

Uma coisa é certa. Nós estamos todos num mesmo campo. Há em cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar que precisamos chegar, mas nem sempre realizamos o movimento da procura pela luz.

Sejamos afeitos a este movimento místico, natural. Não prenda os seus olhos no oposto de sua felicidade. Não queira o engano dos artifícios que insistem em distrair a nossa percepção. Não podemos substituir o essencial pelo acidental. É a nossa realização que está em jogo.

Girassol só pode ser feliz se para o Sol estiver orientado. É por isso que eles não perdem tempo com as sombras.

Eles já sabem, mas nós precisamos aprender.

sábado, 10 de outubro de 2009

Vida reiventada

Não te encontro, não te alcanço…
Só – no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só – na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecilia Meireles

Ainda me encanta a capacidade do ser humano de descobrir, seja descobrir o mundo, descobrir a si mesmo e descobrir o outro.

Na infância, dizem, o conhecimento se dá por descobertas que a própria criança faz .Educar parece ser agora visto como “provocar a atividade”.

Quem convive com uma criança de 2 anos repara como o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos objetos a sua volta. É capaz de passar longos períodos descobrindo as próprias mãos, mexendo os dedinhos e se encantando com seus próprios movimentos, por exemplo. Será também preciso caminhar de mãos dadas com esta criança, tempos depois, para descobrir como é demorado conseguir chegar simplesmente ao final da quadra, porque a caminhada será fatalmente interrompida um sem número de vezes por um cachorro, uma pequena planta ou uma formiga carregando uma folha maior que ela mesma.

Mas o que hoje me intriga e me encanta é “descobrir pessoas”, mormente as que nunca cheguei a conhecer pessoalmente. Como isso se dá? Quando leio uma biografia, quando admiro uma obra ou um legado, quando conheço alguém pelo outro. Porque uma pessoa nunca é só ela mesma, mas o somatório de aquelas que a acompanharam ao longo da vida.

Outro dia “descobri” Mimi, que foi ao mesmo tempo amiga, filha, mãe, esposa e alguém que amou profundamente a vida. Tinha a marca da alegria de viver.Tenho ouvido algumas histórias sobre ela, seu jeito carinhoso com os amigos, suas frases, suas promessas, seus pedidos a quem amava. Fez suas escolhas, enfrentou algumas incompreensões temporárias, estudou, mudou-se, conquistou seu grande amor e deixou um legado permanente de companheirismo.

Mimi me fez entender melhor o significado de companheiro (do latim companionem: com – “com” e panis – “pão”), etimologicamente, aquele com quem se divide o pão.

Quem muito amou Mimi sabe que foi necessário dividir o pão com ela, conviver longamente para captar a beleza da sua pessoa. Ali não pude estar.Mas quem esteve me partilha, e assim a admiro imensamente. Admiro-a pelo que dela ainda brilha na gente, o cheiro da sua doçura, a força de sua alegria. E isso me encoraja hoje, tempos e lugares depois, quando, nas minhas descobertas de vida, percebo que ainda erro, ainda me precipito, ainda não acertei meus alvos, ainda perservero.

Mas é aí que surgem novas descobertas: é preciso descobrir o perdão: perdoar e ser perdoado. Descobrir a leveza. Descobrir que depois da tristeza vem a alegria. Que mesmo após doloroso luto, nasce vida nova. Descobrir que a vida , segundo Cecilia, só é possível reinventada.

Helena Beatriz Pacitti, no blog Timilique!

Passar por cima das nossas feridas

Os humanos sofrem bastante.

Muito, para não dizer a maior parte, do nosso sofrimento tem origem na relação com aqueles que nos amam.

Estou constantemente ciente de que a minha agonia profunda provém, não dos terríveis eventos que leio nos jornais ou vejo na televisão, mas da relação com as pessoas com quem partilho a minha vida diária.

São precisamente os homens e mulheres, que me amam e que estão muito perto de mim, os que me ferem. À medida que ficamos mais velhos, geralmente vamos descobrindo que nem sempre fomos bem amados. Com freqüência, os que nos amaram também nos usaram. Os que se interessaram por nós foram, por vezes, também invejosos. Os que nos deram muito, por vezes, exigiram também muito em troca. Os que nos protegeram quiseram também possuir-nos nos momentos críticos.

Habitualmente, sentimos a necessidade de esclarecer como e por que é que estamos feridos; e, com freqüência, chegamos à alarmante descoberta de que o amor que recebemos não foi tão puro e simples como tínhamos julgado.

É importante esclarecer estas coisas, especialmente quando nos sentimos paralisados por medos, preocupacões e anseios obscuros que não compreendemos.

Mas compreender as nossas feridas não basta. Ao fim, temos que encontrar a liberdade para passar por cima das nossas feridas e a coragem para perdoar aos que nos feriram. O verdadeiro perigo está em ficarmos paralisados pela raiva e pelo ressentimento. Então começaremos a viver o complexo do "ferido", queixando-nos sempre de que a vida não é "justa".

Jesus veio livrar-nos destas queixas auto-destrutivas. Ele nos ensina a por de lado as nossas queixas, perdoar os que nos amaram mal, passar por cima da sensação que temos de sermos rejeitados e ganharmos coragem para acreditar que não cairemos no abismo do nada, mas no abraço seguro de Deus cujo amor curará todas as nossas feridas.

Henri Nouwen