domingo, 11 de outubro de 2009

Os girassóis e nós. ( Fábio de Melo)

Eles são submissos. Mas não há sofrimento nesta submissão. A sabedoria vegetal os conduz a uma forma de seguimento surpreendente. Fidelidade incondicional que os determina no mundo, mas sem escravizá-los.

A lógica é simples. Não há conflito naquele que está no lugar certo, fazendo o que deveria. É regra da vida que não passa pela força do argumento, nem tampouco no aprendizado dos livros. É força natural que conduz o caule, ordenando e determinando que a rosa realize o giro, toda vez que mudar a direção do Regente.

Estão mergulhados numa forma de saber milenar, regra que a criação fez questão de deixar na memória da espécie. Eles não podem sobreviver sem a força que os ilumina. Por isso, estão entregues aos intermitentes e místicos movimentos de procura. Eles giram e querem o sol. Eles são girassóis.

Deles me aproximo. Penso no meu destino de ser humano. Penso no quanto eu também sou necessitado de voltar-me para uma força regente, absoluta, determinante. Preciso de Deus. Se para Ele não me volto corro o risco de me desprender de minha possibilidade de ser feliz. É Nele que meu sentido está todo contido. Ele resguarda o infinito de tudo o que ainda posso ser. Descubro maravilhado. Mas no finito que me envolve posso descobrir o desafio de antecipar no tempo, o que Nele já está realizado.

Então intuo. Deus me dá aos poucos, em partes, dia a dia, em fragmentos.

Eu Dele me recebo, assim como o girassol se recebe do sol, porque não pode sobreviver sem sua luz. A flor condensa, ainda que de forma limitada, porque é criatura, o todo de sua natureza que o sol potencializa.

O mesmo é comigo. O mesmo é com você. Deus é nosso sol, e nós não poderíamos chegar a ser quem somos, em essência, se Nele não colocarmos a direção dos nossos olhos.

Cada vez que o nosso olhar se desvia de sua regência, incorremos no risco de fazer ser o nosso sol, o que na verdade não passa de luz artificial.

Substituição desastrosa que chamamos de idolatria. Uma força humana colocada no lugar de Deus.

A vida é o lugar da Revelação divina. É na força da história que descobrimos os rastros do Sagrado. Não há nenhum problema em descobrir nas realidades humanas algumas escadarias que possam nos ajudar a chegar ao céu. Mas não podemos pensar que a escadaria é o lugar definitivo de nossa busca. Parar os nossos olhos no humano que nos fala sobre Deus é o mesmo que distribuir fragmentos de pólvora pelos cômodos de nossa morada. Um risco que não podemos correr.

Tudo o que é humano é frágil, temporário, limitado. Não é ele que pode nos salvar. Ele é apenas um condutor. É depois dele que podemos encontrar o que verdadeiramente importa. Ele, o fundamento de tudo o que nos faz ser o que somos. Ele, o Criador de toda realidade. Deus trino, onipotente, fonte de toda luz.

Sejamos como os girassóis...

Uma coisa é certa. Nós estamos todos num mesmo campo. Há em cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar que precisamos chegar, mas nem sempre realizamos o movimento da procura pela luz.

Sejamos afeitos a este movimento místico, natural. Não prenda os seus olhos no oposto de sua felicidade. Não queira o engano dos artifícios que insistem em distrair a nossa percepção. Não podemos substituir o essencial pelo acidental. É a nossa realização que está em jogo.

Girassol só pode ser feliz se para o Sol estiver orientado. É por isso que eles não perdem tempo com as sombras.

Eles já sabem, mas nós precisamos aprender.

sábado, 10 de outubro de 2009

Vida reiventada

Não te encontro, não te alcanço…
Só – no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só – na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecilia Meireles

Ainda me encanta a capacidade do ser humano de descobrir, seja descobrir o mundo, descobrir a si mesmo e descobrir o outro.

Na infância, dizem, o conhecimento se dá por descobertas que a própria criança faz .Educar parece ser agora visto como “provocar a atividade”.

Quem convive com uma criança de 2 anos repara como o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e dos objetos a sua volta. É capaz de passar longos períodos descobrindo as próprias mãos, mexendo os dedinhos e se encantando com seus próprios movimentos, por exemplo. Será também preciso caminhar de mãos dadas com esta criança, tempos depois, para descobrir como é demorado conseguir chegar simplesmente ao final da quadra, porque a caminhada será fatalmente interrompida um sem número de vezes por um cachorro, uma pequena planta ou uma formiga carregando uma folha maior que ela mesma.

Mas o que hoje me intriga e me encanta é “descobrir pessoas”, mormente as que nunca cheguei a conhecer pessoalmente. Como isso se dá? Quando leio uma biografia, quando admiro uma obra ou um legado, quando conheço alguém pelo outro. Porque uma pessoa nunca é só ela mesma, mas o somatório de aquelas que a acompanharam ao longo da vida.

Outro dia “descobri” Mimi, que foi ao mesmo tempo amiga, filha, mãe, esposa e alguém que amou profundamente a vida. Tinha a marca da alegria de viver.Tenho ouvido algumas histórias sobre ela, seu jeito carinhoso com os amigos, suas frases, suas promessas, seus pedidos a quem amava. Fez suas escolhas, enfrentou algumas incompreensões temporárias, estudou, mudou-se, conquistou seu grande amor e deixou um legado permanente de companheirismo.

Mimi me fez entender melhor o significado de companheiro (do latim companionem: com – “com” e panis – “pão”), etimologicamente, aquele com quem se divide o pão.

Quem muito amou Mimi sabe que foi necessário dividir o pão com ela, conviver longamente para captar a beleza da sua pessoa. Ali não pude estar.Mas quem esteve me partilha, e assim a admiro imensamente. Admiro-a pelo que dela ainda brilha na gente, o cheiro da sua doçura, a força de sua alegria. E isso me encoraja hoje, tempos e lugares depois, quando, nas minhas descobertas de vida, percebo que ainda erro, ainda me precipito, ainda não acertei meus alvos, ainda perservero.

Mas é aí que surgem novas descobertas: é preciso descobrir o perdão: perdoar e ser perdoado. Descobrir a leveza. Descobrir que depois da tristeza vem a alegria. Que mesmo após doloroso luto, nasce vida nova. Descobrir que a vida , segundo Cecilia, só é possível reinventada.

Helena Beatriz Pacitti, no blog Timilique!

Passar por cima das nossas feridas

Os humanos sofrem bastante.

Muito, para não dizer a maior parte, do nosso sofrimento tem origem na relação com aqueles que nos amam.

Estou constantemente ciente de que a minha agonia profunda provém, não dos terríveis eventos que leio nos jornais ou vejo na televisão, mas da relação com as pessoas com quem partilho a minha vida diária.

São precisamente os homens e mulheres, que me amam e que estão muito perto de mim, os que me ferem. À medida que ficamos mais velhos, geralmente vamos descobrindo que nem sempre fomos bem amados. Com freqüência, os que nos amaram também nos usaram. Os que se interessaram por nós foram, por vezes, também invejosos. Os que nos deram muito, por vezes, exigiram também muito em troca. Os que nos protegeram quiseram também possuir-nos nos momentos críticos.

Habitualmente, sentimos a necessidade de esclarecer como e por que é que estamos feridos; e, com freqüência, chegamos à alarmante descoberta de que o amor que recebemos não foi tão puro e simples como tínhamos julgado.

É importante esclarecer estas coisas, especialmente quando nos sentimos paralisados por medos, preocupacões e anseios obscuros que não compreendemos.

Mas compreender as nossas feridas não basta. Ao fim, temos que encontrar a liberdade para passar por cima das nossas feridas e a coragem para perdoar aos que nos feriram. O verdadeiro perigo está em ficarmos paralisados pela raiva e pelo ressentimento. Então começaremos a viver o complexo do "ferido", queixando-nos sempre de que a vida não é "justa".

Jesus veio livrar-nos destas queixas auto-destrutivas. Ele nos ensina a por de lado as nossas queixas, perdoar os que nos amaram mal, passar por cima da sensação que temos de sermos rejeitados e ganharmos coragem para acreditar que não cairemos no abismo do nada, mas no abraço seguro de Deus cujo amor curará todas as nossas feridas.

Henri Nouwen

domingo, 20 de setembro de 2009

You Are Not Alone (tradução)

Mais um dia se passou e eu continuo sozinho
Como pode ser? Você não está aqui comigo
Você nem se despediu, alguém me diga por que
Você teve que partir e deixar meu mundo tão frio?

Todo dia eu sento e me pergunto
Como o amor foi se esfriar
Alguma coisa sussurrou no meu ouvido e disse

Que você não está sozinho
Eu estou aqui com você
Mesmo você estando distante
Eu estou aqui para ficar

Você não está sozinho
Eu estou aqui com você
Mesmo nós estando distantes
Você sempre estará em meu coração
Você não está sozinho

Sozinho, por que, oh...

Faz poucas noites eu achei ter ouvido seu choro
Pedindo para voltar, e te envolver nos meus braços
Eu posso ouvir suas preces, suas cruzes eu carregarei
Mas primeiro eu preciso da sua mão, para eternamente poder começar
(rpt 1,2,3)

Oh... Sussurre três palavras e eu virei correndo
Voando... E menina você sabe que eu estarei lá
Eu estarei lá

Não está sozinha
Você não está sozinha, você não está sozinho...

É só me procurar baby
De manhã de noite
Você não está sozinha, não está sozinho
Você e eu, não estamos sozinhos, oh, juntos, juntos...

Em Espírito e em verdade

Para pensarmos nossa relação com Deus...

Alguém me disse que a proposta de Jesus não vingou na história. Ao ensinar que Deus é Espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade, estava respondendo uma pergunta da mulher samaritana que queria saber o lugar certo de adorar.

A pergunta da samaritana fazia sentido para uma mente religiosa, que aprendeu a se relacionar com Deus a partir de lugares, pessoas e rituais sagrados. A religião faz isso mesmo, oferece uma forma e um conjunto de regras para que a relação com o divino aconteça da maneira correta. As pessoas precisam de dias, horas, atividades e lugares específicos onde materializar a pessoa e a presença de Deus. Precisam também de pessoas sagradas, que representem Deus, ouçam a voz de Deus e falem em nome de Deus.

Parece coisa de criança, que quando pergunta quantos dias faltam para a a Páscoa, a gente tem que mostrar os quadradinhos do calendário ou colocar um montinho de palitos de fósforo, que vão sendo subtraídos a cada dia, e então a gente diz: "falta um monte assim". A mente humana tem necessidade de dar forma, mensurar e delimitar, para poder avaliar, contabilizar e controlar.

Quando a samaritana perguntou a respeito do lugar certo para adorar, na verdade trazia uma afirmação nas entrelinhas de sua questão: existem regras que explicam como Deus funciona. Este é o pensamento mecânico, de causa e efeito, do tipo "se, então": se eu sou fiel no dízimo, então Deus me abençoa; se eu sou assíduo aos cultos, então vou crescer na fé; se eu leio a Bíblia todo dia, então terei sabedoria; se obedeço a Deus, então ficarei livre das desgraças; se eu me santifico, então minha adoração será recebida por Deus; se, então, se, então...

Mas Jesus não acreditava nisso. Sua proposta foi radical. Ensinou que jamais alguém deveria tentar confinar Deus a um lugar, um ritual, uma doutrina, uma idéia, uma forma e muito menos uma fôrma. No lugar da objetividade do relacionamento que pode ser medido e verificado, Jesus propôs a subjetividade da intimidade que ocorre na dança da Santíssima Trindade: adorar ao Pai, no espírito que é Santo, e no Filho que é a verdade. Não é tanto uma questão de regras de adoração para que Deus funcione, mas das coisas do coração, que como disse o filósofo, tem razões que a própria razão desconhece.

Não concordei com aquele alguém que me disse que a proposta de Jesus não vingou na história. Mas devo admitir que vingou em muito menos gente do que nossas estatísticas religiosas contabilizam.

2009 | Ed René Kivitz

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Acabar com a ambiguidade, que mora na alma, aniquila a criatividade humana. A pedagogia que conduz à maturidade precisa acolher erro, deslizes, inadequação.

Deus não desejou criar gente absolutamente previsível, pateticamente conformada às suas leis. Ele criou para que aprendêssemos a trabalhar o vai-e-vem do coração; hora, doce, hora, amargo. Ele espera que descubramos, nas excursões para o interior da alma, a riqueza do eterno vir-a-ser.

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Conto

Kahlil Gibran

Um velho sacerdote disse:- Fale-nos da Religião.

E o profeta respondeu: - Falei de outra coisa hoje?

Não é a Religião todas as nossas ações e reflexões?

E tudo o que não é ação nem reflexão, mas um espanto e uma surpresa sempre brotando na alma, mesmo quando as mãos talham a pedra ou manejam o tear? Quem pode separar sua fé de suas ações, ou sua crença de seus afazeres?Quem pode desdobrar as próprias horas perante si, dizendo: “Esta é para Deus e esta é para mim; esta para minha alma e esta para meu corpo?”

Todas as suas horas são asas que adejam no espaço,passando de um eu a outro... >

E aquele para quem a adoração não é uma janela a abrir, mas também a fechar, não visitou ainda o santuário de sua alma, cujas janelas permanecem abertas de aurora a aurora.

Sua vida cotidiana é seu templo e sua Religião.

Todas as vezes que penetrar nele, leve consigo todo o seu ser. Leve o arado, a forja, o macete e a lira, as coisas que modelou por necessidade ou para seu prazer... E, se quer conhecer a Deus, não procure transformar-se em decifrador de enigmas. Olhe antes à sua e irá encontrá-lo brincando com seus filhos. Erga os olhos para o espaço e irá vê-lo caminhando nas nuvens, estendendo os braços no relâmpago e descendo na chuva. Estará sorrindo nas flores, levantando-se e agitando as mãos nas árvores.


João Cabral de Melo Neto

Auto do Frade


Acordo fora de mim
Como há tempos não fazia.
Acordo claro, de todo,
acordo com toda a vida,
com todos os cinco sentidos
e sobretudo com a vista
que dentro dessa prisão
para mim não existia.
Acordo fora de mim:
Como fora nada eu via,
Ficava dentro de mim
Como vida apodrecida.
Acordar não é de dentro,
Acordar é ter saída.
Acordar e recordar-se
Ao que em nosso redor gira.
...
Essas coisas ao redor
Sim me acordam para a vida,
Embora somente um fio
Me reste de vida e dia.
Essas coisas me situam
E também me dão saída;
Ao vê-las me vejo nelas,
Me completam, convividas...


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Que a dor do mundo doa em nós


Abra o link abaixo e "perca" 6 minutos do seu tempo. A dor do mundo precisa alcançar a alma de uma geração ensimesmada.

http://www.cultureunplugged.com/play/1081/Chicken-a-la-Carte

sexta-feira, 24 de julho de 2009

FELIZ. A felicidade é isso, estar quieto nos limites em que se está a dizer não ao que está para além. Ser-se todo onde se é e não onde não...

Vergílio Ferreira

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A verdade que já possuímos

“A vida é, ou deveria ser, apenas uma luta para procurar a verdade. No entanto, o que de fato procuramos é a verdade que já possuímos. A verdade é minha na realidade da vida assim como me é dada a viver. Entretanto, receber a vida de forma irrefletida, passiva – tal como se apresenta – é renunciar à luta e à purificação necessárias. Não é possível simplesmente abrir os olhos e ver. O trabalho de compreender envolve não só dialética, como também um longo trabalho de aceitação, obediência, liberdade e amor.”
Um pensamento para reflexão: “Muita virtude e piedade é simplesmente o preço fácil que pagamos para justificar uma vida essencialmente cheia de bagatelas. Nada é mais barato do que a evasão comprada por uma conduta apenas suficientemente boa para que passemos por uma ‘pessoa séria’.”

Reflexões de um espectador culpado, Thomas Merton

terça-feira, 21 de julho de 2009

Mário Quintana

'A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.


Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.

Desta forma, eu digo:

Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo,

pois a única falta que terá,

será desse tempo que infelizmente não voltará mais.'



Mário Quintana

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Estamos aqui para ser feliz

Este vídeo é belíssimo...vale muito a pena ver

domingo, 12 de julho de 2009

Transformados pelo poder do amor ( Thomas Merton)

“Quando as pessoas realmente amam, experimentam muito mais do que apenas a necessidade de companhia e aconchego mútuos. Em sua relação com o outro, tornam-se pessoas diferentes: são mais do que de costume, mais vivas, mais compreensivas, mais pacientes, mais resistentes... São refeitas como seres novos. Transformadas pelo poder do seu amor.

O amor é a revelação do nosso sentido, valor e identidade pessoais mais profundos. Mas esta revelação é impossível enquanto formos prisioneiros de nosso egoísmo. Não posso me encontrar em mim mesmo, mas só em outro. Meu verdadeiro sentido e valor me são mostrados não na avaliação que faço de mim mesmo, mas nos olhos de quem me ama; e este deve me amar como sou, com minhas falhas e limitações, revelando-me a verdade de que essas falhas e limitações não podem destruir meu valor aos olhos daquele que me ama; e que sou, portanto, valioso como pessoa, a despeito de minhas falhas, a despeito das imperfeições do meu “pacote” exterior. O pacote é totalmente irrelevante. O que importa é essa mensagem infinitamente preciosa que só posso descobrir no meu amor por outra pessoa. E essa mensagem, esse segredo, só me é plenamente revelado se, ao mesmo tempo, eu for capaz de ver e entender o valor singular e misterioso daquele que amo.”


“O amor não é só uma maneira especial de estar vivo: é a perfeição da vida. Aquele que ama está mais vivo e é mais real do que quando não amava.”

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O poema que voltou.

SOBRE o chão que desgasto a sola
que participo do intrínseco princício comum
algo falta, não consigo achar
o caminho que te vai me levar

NÓS só temos o que podemos
não podemos tudo que tivemos
porque algo ainda falta
talvez na rocha mais alta

HÁ um tudo de Divino
cerceado pelo pó (que não o estraga)
redimindo, quando livre

O amor que me serves
recompensa só a um permitida
mais de cinco vezes tentei

MESMO que te ausentes no meu choro
sei que não querias

CÉU, faça me o favor,
não poupe estrelas, não permita as nuvens
declare ao meu amor
a verdade eterna e implícita:

SOBRE NÓS HÁ O MESMO CÉU.

L'amore non si conclude mai

sábado, 4 de julho de 2009

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Goethe - o bem e o mal

Se o nosso coração estivesse sempre aberto para desfrutar o bem que Deus diariamente nos concede, teríamos, por sua vez, força suficiente para suportar o mal quando ele viesse.
T.S. Eliot - onde a vida?


A Águia paira sobre os píncaros do Céu,
O Caçador com seus cães rastreia-lhe o trajeto,
Ó perene revolução de estrelas consteladas,
Ó perene recorrência de estações determinadas,
Ó mundo de primavera e outono, nascimento e morte!
O infinito ciclo da idéia e da ação,
Infinita invenção, experiência infinita,
Traz o conhecimento do vôo, mas não o do repouso;
O conhecimento da fala, mas não o do silêncio;
O conhecimento das palavras e a ignorância do Verbo.
Todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância,
Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte,
Mas a iminência da morte não nos acerca de DEUS.
Onde a vida que perdemos quando vivos?
Onde a sabedoria que perdemos no saber?
Onde o conhecimento que perdemos na informação?
Os ciclos do Céu em vinte séculos
Afastaram-nos de DEUS e nos acercaram do Pó.

T. S. Eliot em Coros de "A Rocha" - ARX, volume 1, p.289.
João Guimarães Rosa - amor


O amor é a gente querendo achar o que é da gente... Mas, pensar na pessoa que se ama, é como querer ficar à beira d'água, esperando que o riacho, alguma hora, pousoso esbarre de correr.

João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas, Ed.Nova Fronteira, p.361.
Dias e dias
Ricardo Gondim

Um texto carregado de humanidade ...

Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? – Jesus Cristo.

Tem dias que as palavras não se completam, as frases acabam com reticências e os parágrafos perdem sentido. A gente sente uma ponta de melancolia espetando a alma. A banalidade de viver nos agride logo que tocamos o chão com os pés sonâmbulos.

Tem dias que olhamos a alvorada pela janela e engasgamos com o descaso do tempo. Escovamos os dentes, repetindo com movimentos circulares, a mesma rotina de décadas; vestimos a camisa que ainda guarda o cheiro do ferro quente; cadenciamos os passos e não notamos o vai-e-vem da maré que nos devora aos poucos.

Tem dias que assumimos nossa desvalia. Sabemos, sem jamais admitir, que todos os esforços são inúteis, todas as lágrimas, desnecessárias, todas as palavras, vãs. Só a inércia nos tange adiante. Obedecemos ao dever de sobreviver sem saber o porquê.

Tem dias que acordamos e a cabeça lateja - enxaqueca existencial. Levantamos, os postes ainda iluminam as ruas, mas não os valorizamos; eles são incapazes de clarear a nossa alma. Todos os sons parecem exagerados. Todas as cores, de mau gosto. Todos os gestos, plásticos. Perdemos o paladar. Recusamos a distração. Descartamos os conselhos. Preferimos o silêncio. Buscamos o deserto.

Nesses dias, lembramos o colo primordial, que nos embalou com afeto; o rosto meigo, que nos elegeu únicos; o berço emadeirado, que nos protegeu de quedas.

Nesses dias, ficamos atentos para a inclemente cronicidade da existência. Intuimos que só os solilóquios transformam a vaga e doce tristeza em saudade. Só a solidão converte a melancolia em nostalgia. Trágicos, aprendemos a nossa impotência. Abatidos, abandonamos os fingimentos de nossas coreografias mal ensaiadas. Sedentos, ansiamos que Alguém nos dê água viva.

Soli Deo Gloria

Espiritualidade e liberdade

“A fatalidade do homem repousa no fato de ter-se separado de Deus no exercício de sua liberdade e ter-se desencontrado consigo mesmo e, por isso, agora a sua libertação consiste em poder novamente encontrar-se a si mesmo no amor de Deus e a partir dele determinar a sua vida.”

Dicionário teológico


“Deus é a liberdade do homem. E o nome de Jesus nos conduz para este espaço de liberdade, de libertação. Esta lembrança de que cada ser humano não tem que se submeter a pessoa alguma. Ele tem dentro de si um espaço feito para liberdade. Um espaço de liberdade que é também um espaço de cura.”

Jean Yves Leloup

"

Não ser ninguém além de si num mundo que dia e noite se esforça ao máximo para transformá-lo em uma pessoa igual a todas as outras significa entrar na mais dura das batalhas que um ser humano pode enfrentar, e nunca deixar de luta .”

E.E Cummings


“O Espírito do Senhor está sobre mim[...] para pôr em liberdade os cativos.”

Lc 4,19


“Ora, o Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor , aí há liberdade.”

II Cor3,17


“É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão [...] Vós irmãos fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais.”

Gálatas 5, 1.13


A verdadeira espiritualidade gera liberdade em nós.Todas as áreas de nossa vida são reestruturadas por esta realidade, a existência toma um novo sentido quando partimos desta premissa, ou seja, a vida em Deus tem um ponto de partida singular, Seu amor restaurador.

A experiência pessoal com Jesus nos vira do avesso, insere-nos numa outra dinâmica de vida, conduzida não mais por nossos egos, mas sim por seu Espírito, que produz em nós uma nova consciência, um novo coração, sentimentos e afetos resignificados. O Espírito Santo trabalha em nós, tecendo em nosso ser a imagem de Jesus (II Cor 3,18). Dentre todas as ações que o Espírito Santo realiza em nós, uma das obras mais esquecidas é a liberdade, em todos os sentidos que este conceito pode abarcar.

Quando permitimos que o Espírito Santo perpasse nossas vidas, somos libertados de nossos cativeiros existenciais e físicos; nossa espiritualidade toma novos contornos; uma nova postura diante da vida e de si mesmo é estabelecida; um novo coração e uma nova imagem de Deus encontra lugar em nosso ser. Que obra extraordinária o Espírito Santo realiza em corações que se deixam trabalhar. Como artesão Ele vai retirando as arestas e os excessos de nossas concepções tão engessadas e passadas, que já perderam seu significado e que entorpecem nossa espiritualidade tão sedenta do “Deus vivo.”

Infelizmente muitos temem viver esta liberdade no Espírito. Preferem ensimesmar-se, guardar-se em seu aquário existencial, ao invés de se lançarem no mar que é a graça de Deus, que se derrama abundantemente sobre nós.

A espiritualidade do aquário é tranqüila, sem novidades, confortável, mas também sem significado algum. Quando nos lançamos na espiritualidade do mar encontramos reveses, dissabores, dores, lágrimas, trabalho árduo e disciplina, mas são incontáveis as graças que se derramam sobre a vida daqueles que buscam viver assim, lutando para transcender barreiras que parecem ser intransponíveis.

Fica a seu critério escolher o tipo de espiritualidade que pretende viver: uma espiritualidade doente, esquizofrênica e alienada, ou uma espiritualidade bonita e sadia, que faz bem para alma, para os relacionamentos , ambiente de trabalho e todas as dimensões da vida. Mas lembre-se que esta espiritualidade não vai agradar muito, você não será compreendido muitas vezes, aqueles que se acham religiosos demais vão torcer o nariz diante de você, e de sua nova forma de encontrar Deus.Diante desses percalços fique tranqüilo, pois o Deus que tudo vê e tudo sabe, conhece suas reais motivações e sua sede de amor , do Seu amor.Faço minhas as palavras de Karl Hanher : “O cristão de amanhã será um místico, alguém que experimentou alguma coisa, ou não será nada.”


Diego Vainer@2009

SER ADULTO

Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa:
- 'Ah, terminei o namoro… '
- 'Nossa, quanto tempo?'
- 'Cinco anos… Mas não deu certo… Acabou'
- É, não deu…?
Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou.
E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.
Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro.
E não temos esta coisa completa.
Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama.
Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel.
Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador.
Às vezes ela é malhada, mas não é sensível.
Tudo nós não temos.
Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele.
Pele é um bicho traiçoeiro.
Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia.

E as vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona…
Acho que o beijo é importante…e se o beijo bate…se joga…senão bate…mais um Martini, por favor…e vá dar uma volta.
Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra.
O outro tem o direito de não te querer.
Não lute, não ligue, não dê pití.
Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não.
Existe gente que precisa da ausência para querer a presença.
O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta.
Nada de drama.
Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro, recessão de família?
O legal é alguém que está com você por você.
E vice versa.
Não fique com alguém por dó também.
Ou por medo da solidão.
Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado.
E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento.

Tem gente que pula de um romance para o outro.
Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?
Gostar dói.
Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração.
Faz parte. Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo.
E nem sempre as coisas saem como você quer…
A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.
Se alguém vier com este papo, corra, afinal, você não é terapeuta.
Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.
Na vida e no amor, não temos garantias.
E nem todo sexo bom é para namorar.
Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar.
Nem todo beijo é para romancear.
Nem todo sexo bom é para descartar. Ou se apaixonar. Ou se culpar.
Enfim… Quem disse que ser adulto é fácil?


ARNALDO JABOR

domingo, 21 de junho de 2009

Voo

Alheias e nossas
as palavras voam.
Bando de borboletas multicores,
as palavras voam.
Bando azul de andorinhas,
bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras
como águias imensas.
Como escuros morcegos
como negros abutres,
as palavras voam.

Oh! Alto e baixo
em círculos e retas
acima de nós, em redor de nós
as palavras voam.

E às vezes pousam.

Cecília Meirelles
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Como é maravilhoso ver quem em meio a tanta desumanização, existem pessoas que nos chocam com sua existência...como fez bem ao meu coração e a minha alma ver o que vi.Isso só me faz continuar e me lembrar da frase do poeta: " Nunca deu quem deu do seu , sem dar de si."

sábado, 20 de junho de 2009

O Deus idolatrado

Queridos amigos...apenas um texto que acho que merece ser lido

Nele que é o nosso Deus e Senhor

O DEUS IDOLATRADO
O segundo dos dez mandamentos proíbe a fabricação de ídolos e imagens de qualquer coisa no céu, na terra e embaixo da terra. A proibição inclui o próprio Deus. A inteligência do mandamento diz que qualquer tentativa de reduzir Deus a uma imagem implica transformá-lo em ídolo. Deste pecado, entretanto, muitos cristãos são réus de juízo.

Deus é transformado em ídolo quando ocupa o imaginário das pessoas como o mais poderoso dentre todos os deuses. O monoteísmo afirma que existe apenas um Deus, e não que Deus é o deus mais poderoso. O primeiro mandamento, “não terás outros deuses”, não é uma proibição à adoração de outros deuses, mas uma afirmação de que não existem outros deuses. Na verdade, os outros deuses são fabricação da mente humana, isto é, ídolos. Toda vez que Deus é comparado com “outros deuses”, mesmo para que seja destacado como o maior e melhor, ele foi reduzido à categoria de ídolo. Deus é único.

Deus é transformado em ídolo quando é confinado aos limites de imagens, locais, pessoas, ritos, símbolos, seres ou qualquer outra coisa que dê a Ele uma medida, pois Deus é o Ser-Em-Si, não sujeito a tempo, espaço e modo. Deus é Espírito. Deus é transformado em ídolo quando se pretende que o relacionamento com ele seja destituído de quaisquer implicações morais, pois isso equivale a atribuir a Deus uma categoria de neutralidade e, portanto, despersonalizá-lo. Deus é Espírito Pessoal.

Deus é transformado em ídolo quando o relacionamento com Ele é fundamentado em relações de mérito e demérito, pois nesse caso o fator determinante do relacionamento é o humano, que faz por merecer ou deixa de merecer, isto é, Deus apenas reage. Deus é gratuidade. Deus é transformado em ídolo quando o relacionamento com Ele é fundamentado em relações de causa e efeito, pois isso implica confinar Deus às regras de um mecanismo que pode ser ativado ou desativado, e nesse caso se pretende manipular Deus por meio da descoberta dos botões que o fazem funcionar. Deus é incondicionado.

Deus é transformado em ídolo quando as expectativas que se tem a respeito dele giram ao redor de questões meramente circunstanciais, pois o reino de Deus não é comida, nem bebida, isto é, não está circunscrito às questões efêmeras e materiais. Deus é Eterno. Deus é transformado em ídolo quando é submetido a obrigatoriedades determinadas pela conveniência humana, pois Deus deixa de ser um fim em si mesmo e é transformado em meio para um fim maior. Deus é soberano.

Deus é transformado em ídolo quando, em seu nome, se faz exigência de sacrifícios humanos, pois Deus não se alimenta de vidas humanas, sendo Ele mesmo o doador e mantenedor da vida. Deus é amor. Deus é transformado em ídolo quando é submetido a qualquer regra de qualquer ordem. Deus é incontrolável.

Deus é transformado em ídolo quando se torna objeto de discussão, em detrimento de objeto de devoção e paixão, o que pode acontecer, inclusive, em relação a este texto que fica dizendo que Deus é isso e aquilo. Deus é indiscutível.

2009 | Ed René Kivitz

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Meditações sobre a fé cristã

"O objectivo final da nossa fé é o de conformarmos os nossos pensamentos com os de Jesus Cristo e de Lhe permitir a Ele, que pela fé nos habita, servir-se de nós, pensar em nós e em nós viver" (Tadeusz Djaczer, em "Meditações sobre a Fé")

«Toda a nossa existência, todo o nosso ser deve proclamar o Evangelho aos quatro ventos; toda a nossa pessoa deve respirar Jesus, todos os nossos actos, toda a nossa vida devem proclamar que estamos com Jesus, devem mostrar a imagem da vida evangélica; todo o nosso ser deve ser uma pregação viva, um reflexo de Jesus, um perfume de Jesus, alguma coisa que proclame Jesus, que faça ver Jesus, que brilhe como uma imagem de Jesus» - Charles de Foucauld

«Suspiro e anseio pelo dia em que eu possa perguntar:
- Será que já sou capaz de amar verdadeiramente?

Suponho que a vida eterna é o amor e a alegria de amar. Suponho ainda que a alegria de amar é a mesma alegria de finalmente sair de mim mesmo e ser, como as três Pessoas da Trindade, puro movimento em direcção aos outros.
Deus Amor, peço-te que me ajudes a ser cada vez mais.»
- François Varillon

"- O Amor de Deus é maior por uma só pessoa, do que o amor de todo o mundo por Deus.
- Quanto maior necessidade sentires em amar, mais amor terás para dar.
- Amar cura as nossas feridas, mas principalmente cura as feridas dos outros.
- Quem ama sabe perdoar e quem perdoa sabe amar." - (Nelson Viana)


"Deus dá-nos tudo, mas o maior dos seus dons é o amor que devemos ter por Ele." (Fénelon)

Meu Coração

«Eu perdi o meu coração no empoeirado caminho deste mundo;
Mas Tu o tomaste em Tuas mãos.
Eu buscava alegria e apenas colhi tristezas;
Mas a tristeza que me enviaste tornou-se alegria em minha vida.
Os meus desejos se espalharam em mil pedaços;
Mas Tu os recolheste e reuniste em Teu amor.
E enquanto eu vagava de porta em porta,
Cada passo meu me estava conduzindo ao Teu portal.»

(Rabindranath Tagore)

Salvos pelo Amor

O amor é o mistério mais profundo e mais sublime do universo, origem e termo de todas as coisas; exige, porém, força de carácter, fidelidade, perspicácia de inteligência, delicadeza de coração e, sobretudo, disponibilidade para o diálogo, aceitação e abertura ao outro, disposições raras na nossa sociedade. Mas as coisas raras são, frequentemente, as mais encantadoras e trata-se de dirigir para elas o olhar, o coração e o espírito dos homens do nosso tempo.

Hoje como nunca, temos necessidade de homens e mulheres como os astronautas e os grandes sábios que descobriram a energia nuclear, mas no campo do amor.» - Jean Vanier, em "Novas perspectivas do amor"

"O cristão é o adversário do absurdo, o profeta do sentido." (Paul Ricoeur)

"O cristão é aquele que rema contra a corrente, que toma o risco de não pensar e de não agir como toda a gente. " (Card. Marty)

Graça barata ( Dietrich Bonhoeffer )

Com certeza um dos textos mais lindos da literatura cristã...

“A graça barata é a graça que nós dispensamos a nós próprios. A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende com alegria tudo quando tem; a pérola preciosa, a qual o comerciante se desfaz de todos os seus bens para adquiri-la; o governo régio de Cristo, por amor do qual o homem arranca o olho que o escandaliza; o chamado de Jesus Cristo, o qual, ao ouvi-lo, o discípulo larga as suas redes e o segue.

A graça preciosa é o evangelho que há que se procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater.

A graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao homem, e é graça por, assim, dar-lhe a vida; é preciosa por condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por tê-la sido para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho – “fostes comprados por preço” – e porque não pode ser barato para nós aquilo que para Deus custou caro. A graça é graça sobretudo por Deus não ter achado que seu Filho fosse preço demasiado caro a pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. A graça preciosa é a encarnação de Deus.

A graça preciosa é a graça considerada santuário de Deus, que tem que ser preservado do mundo, não lançado aos cães; e é graça como palavra viva, a palavra de Deus que ele próprio pronuncia de acordo com seu beneplácito. Chega até nós como gracioso chamado ao discipulado de Jesus; vem como palavra de perdão ao espírito angustiado e ao coração esmagado. A graça é preciosa por obrigar o indivíduo a sujeitar-se ao jugo do discipulado de Jesus Cristo. As palavras de Jesus: ‘O meu jugo é suave e o meu fardo é leve’ são expressão da graça [...] A graça e o discipulado permanecem indissoluvelmente ligados”.
Sêneca - uma vida acossada


CADA UM faz precipitar sua vida e padece de ânsia do futuro e de tédio do presente. Mas o que emprega todo o tempo consigo próprio, que ordena cada dia como se fosse uma vida, nem deseja o amanhã, nem o teme. Pois que novo prazer há, que qualquer hora lhe possa imediatamente trazer?

Tudo lhe é conhecido, tudo foi desfrutado até a saciedade. Do resto, que a Fortuna disponha como queira: a vida já lhe foi assegurada. Nada se lhe pode adicionar ou arrebatar, e, mesmo que algo lhe acrescente a ela, seria como se alimentassem alguém já farto de alimentos quaisquer: estará recebendo algo que nem mais deseja.

Portanto não há por que pensar que alguém tenha vivido muito, por causa de suas rugas ou cabelos brancos: ele não viveu por muito tempo, simplesmente foi [ou existiu] por muito tempo.

Pensarias ter navegado muito, aquele que, tendo se afastado do porto, foi apanhado por violenta tempestade, errou para cá e para lá e ficou a dar voltas, conforme a mudança dos ventos e o capricho dos furacões, sem contudo sair do lugar? Ele não navegou muito, mas foi muito acossado.

Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida, Ed. Nova Alexandria, p. 35
Marilena Chaui - liberdade e contingência


A LIBERDADE é a capacidade para darmos um sentido novo ao que parecia fatalidade, transformando a situação de fato numa realidade nova, criada por nossa ação. Essa força transformadora, que torna real o que era somente possível e que se achava apenas latente como possibilidade, é o que faz surgir uma obra de arte, uma obra de pensamento, uma ação heróica, um movimento anti-racista, uma luta contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência à tirania e a vitória contra ela.

O possível não é pura contingência ou acaso. O necessário não é fatalidade bruta. O possível é o que se encontra aberto no coração do necessário e que nossa liberdade agarra para fazer-se liberdade. Nosso desejo e nossa vontade não são incondicionados, mas os condicionamentos não são obstáculos à liberdade e sim o meio pelo qual ela pode exercer-se.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O peso que a gente leva ( Fábio de Melo)


O perigo da viagem mora nas malas. Elas podem nos impedir de apreciar a beleza que nos espera. Experimento na carne a verdade das palavras, mas não aprendo. Minhas malas são sempre superiores às minhas necessidades. É por isso que minhas partidas e chegadas são mais penosas do que deveriam.

Ando pensando sobre as malas que levamos...

Elas são expressões dos nossos medos. Elas representam nossas inseguranças. Olho para o viajante com suas imensas bagagens e fico curioso para saber o que há dentro das estruturas etiquetadas. Tudo o que ele leva está diretamente ligado ao medo de necessitar. Roupas diversas; de frio, de calor – o clima pode mudar a qualquer momento! – remédios, segredos, livros, chinelos, guarda chuva – e se chover? –, cremes, sabonetes, ferro elétrico – isso mesmo! – Microondas? – Comunique-me, por favor, se alguém já ousou levar.

O fato é que elas representam nossas inseguranças. Digo por mim. Sempre que saio de casa levo comigo a pretensão de deslocar o meu mundo. Tenho medo do que vou enfrentar. Quero fazer caber no pequeno espaço a totalidade dos meus significados. As justificativas são racionais. Correspondem às regras do bom senso, preocupações naturais para quem não gosta de viver privações.

Nós nos justificamos. Posso precisar disso, posso precisar daquilo...

Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?

As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?

Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.

É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.

E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É conseqüência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.

É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.

Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamúrias... Hospitais, asilos, internatos...

Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.

Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

“O Bom Samaritano” = “O Bom Travesti"

por Rubem Alves


E perguntaram a Jesus: “Quem é o meu próximo?“ E ele lhes contou a seguinte parábola:

Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando por uma rua escura, um garçom que trabalhara até tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com armas na mão e disseram: “Vá passando a carteira“. O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram brutalmente, deixando-o desacordado no chão.

Às primeiras horas da manhã passava por aquela mesma rua um padre no seu carro, a caminho da igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi até ele e o consolou com palavras religiosas: “Meu irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais que você.“ Ditas estas palavras ele o benzeu com o sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de absolvição de pecados: “Ego te absolvo...“ Levantou-se então, voltou para o carro e guiou para a missa, feliz por ter consolado aquele homem com as palavras da religião.

Passados alguns minutos, passava por aquela mesma rua um pastor evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir uma reunião de oração matutina. Vendo o homem caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou, baixinho: “Você já tem Cristo no seu coração? Isso que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está chamando ao arrependimento. Sem Cristo no coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e seus problemas serão resolvidos!“ O homem gemeu mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então, “aleluia!“ e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter permitido salvar mais uma alma.

Uma hora depois passava por aquela rua um líder espírita que, vendo o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: “Isso que lhe aconteceu não aconteceu por acidente. Nada acontece por acidente. A vida humana é regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você está pagando por algo que você fez numa encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe fizeram. Mas agora sua dívida está paga. Seja, portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e você poderá continuar a evoluir.“ Colocou suas mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe, levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da justiça da lei do karma.

O sol já ia alto quanto por ali passou um travesti, cabelo louro, brincos nas orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de batom. Vendo o homem caído, parou sua motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na motocicleta e o levou para o pronto socorro de um hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E enquanto os médicos e enfermeiras estavam distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem ferido.

Terminada a estória, Jesus se voltou para seus ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou com amor e lhes perguntou: “Quem foi o próximo do homem ferido?“

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Não deixa de ser curioso que eu creia irracionalmente que poderia ter sido melhor, e que isto baste para me amargurar e me conformar.Para mim significa uma espécie de fruição lenta imaginar as prováveis prolongações de certas dúvidas do passado e fantasiar como teria sido este presente se em um outro momento eu tivesse decidido por outro rumo.Mas existe verdadeiramente outro rumo? Na verdade, só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido não conta. Ninguém aceita essa moeda; nem eu."

Miguel, personagem do romance Quién de nosotros

Contingência e o vôo 447

Caros amigos, este texto me fez pensar muito sobre a vulneralibilidade da vida e condição humana...leiam com atenção, vai valer a pena!

O mundo está em choque. De novo a contingência mostra sua cara na tragédia do vôo da Air France. Vale lembrar: contingência significa que os acontecimentos não são sempre necessários. Quando ocorre alguma coisa sem uma razão que a explique ou justifique. Contingência gera imprevisto; fatos que escapam à engrenagem da causa e do efeito. Um avião cai porque o mundo é contingente, não porque tenha sido vítima do destino ou de um plano de Deus.

Diz-se no senso comum que as pessoas só morrem quando chega a hora. Caso isso fosse verdadeiro, o destino reuniu em uma aeronave as pessoas que deveriam morrer naquele dia. Isso daria à fatalidade um poder apavorante. Impossível pensar que gente de mais de trinta países entrou no vôo 447 sem saber que obedecia a uma força cega, que determinava aquele como o último dia de suas vidas.

Igualmente, acreditar que Deus permite a queda do avião porque tem algum propósito, soa esquisito. Cada pessoa, com histórias, projetos, sonhos, foi arrancada da existência para que se cumprisse qual objetivo? Um objetivo macro? Isto é, para que a humanidade aprendesse ou se arrependesse? Isso faria com que as biografias fossem descartáveis, desprezíveis. O Divino Oleiro, sem precisar se explicar, afogaria tanta gente para conduzir a macro história para o fim glorioso? Sim? Mesmo que exista esse deus, eu não o quero.

Também, algumas pessoas aceitam que Deus tem um plano para cada morte individual. Verdade, ele é Deus, tem todo o poder e é capaz de reunir, em um só lugar, quem deveria morrer. Mas também é bom. Então todos os passageiros foram eleitos para cumprir qual bem? Satisfaz pensar que o bem de ceifar tantas vidas, mesmo sem nenhum sentido do lado de cá, está garantido na eternidade? (Deus sabe o que faz?!?!) Como explicar tal conceito para pais, filhos e parentes desolados? Todos acorrentados à trágica realidade que lhes roubou de seus queridos.

A idéia de que Deus tem um plano para cada morte se esvazia diante dos números. Um avião caiu, mas o que dizer dos incontáveis acidentes de todos os dias? O que dizer das balas perdidas que aleijam transeuntes? E dos erros médicos ou dos acidentes de trânsito? Recentemente uma senhora de nossa comunidade caiu da laje da casa em construção. Ela fotografava a obra para que a filha ajudasse com as despesas do acabamento. Quebrou a coluna e ficou paraplégica. A última explicação que se poderia dar é que Deus tinha um plano em deixá-la paralítica.

Jesus nunca cogitou o mundo sem contingência. Pelo contrário, não atrelou a queda de uma torre aos desígnios divinos; não disse que a cegueira do homem era consequência causal das ações interiores, dele ou de seus pais; advertiu que os seus discípulos enfrentariam tempestade, aflição e morte.

Contingência é o espaço da liberdade, portanto, da condição humana. Sem contingência nos desumanizaríamos. A consciência do risco de adoecer e da imprevisibilidade da morte súbita é o preço que pagamos por nossa humanidade.

O desastre do avião mostra a inutilidade de pensar que o exercício correto da religião e a capacidade tecnológica mais excelente sejam suficientes para anular a contingência. Nossa vida é imprecisa e efêmera. Portanto, vivamos intensamente. Cada instante pode ser o último – Carpe Diem!

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim

domingo, 31 de maio de 2009

Decidida determinação

Voltando agora para aqueles que desejam seguir
pelo caminho de Deus e não parar até o fim...
Digo que muito importa, sobretudo,
ter uma grande e muito decidida determinação
de não parar enquanto não alcançar a meta,
surja o que surgir, aconteça o que acontecer,
sofra-se o que se sofrer, murmure quem murmurar,
mesmo que não se tenham forças para prosseguir,
mesmo que se morra no caminho
ou não se suportem os padecimentos que nele há,
ainda que o mundo venha abaixo.

Santa Teresa de Ávila

quinta-feira, 28 de maio de 2009

"O amor ignora os abismos do tempo."

Rubem Alves

Todos temos os nossos momentos de fraqueza ainda que nos vale é sermos capazes de chorar, o choro muitaz vezes é uma salvação, há ocasiões em que morreríamos se não chorássemos.

Há esperanças que é loucura ter, Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida.

O amor, que dizem ser cego, também tem a sua palavra a dizer.


José Saramago

domingo, 24 de maio de 2009

Maísa: infância e filosofia

24/05/2009

A Rede Globo está em guerra aberta contra Sílvio Santos. A camisa de Ronaldinho, a favor do último, deixa os proprietários da Globo malucos de ódio.

Ao mesmo tempo, uma avalanche de psicólogas (algumas da USP!) novamente se agrupam às juízas para, como se diz, protegerem a infância. Maísa perde o emprego.

Venho escrevendo sobre a infância desde o início dos anos noventa. Tenho mostrado que a idéia de infância como um “fato da natureza” é tão invenção nossa, de nossa cultura, quanto a idéia de que a ela é “produto histórico”. Natureza ou história não ajudam em nada no caso. O problema é que a tal da noção de infância que, agora, nas mãos dos intelectuais da ordem jurídica e dos intelectuais da ordem mental, já virou conceito, é de menos ajuda do que parecia até bem pouco tempo.

Há pouco tempo, quase todos nós, mais ou menos humanistas, admitíamos que Rousseau tinha lá sua razão ao ter inventado a infância como um fato natural, e que Philipe Ariés tinha tido uma boa idéia ao denunciar que a infância como fato natural era, na verdade, fato histórico. Tudo isso parecia fazer sentido e nos ajudava a entender as crianças. Foi um tempo em que lutávamos todos pela criação de um aparato institucional em favor da proteção da criança. O erro foi rotularmos isso de “proteção à infância”. Pois, ao falarmos da infância – o conceito – nos esquecemos de olhar o que tínhamos de olhar, que é a criança.

Agora, chegou a hora de ou repensamos isso ou, então, vamos começar a criar o terrorismo que se está criando com o caso Maísa e, de certo modo, contra a própria Maísa.

Não há nenhuma agressão contra Maísa da parte de Sílvio Santos. Nada que ocorreu no programa foi obra de maldade de Sílvio ou do SBT ou de descuido. A menina lá está com a mãe. Já esteve antes, durante bom tempo, no Raul Gil. A menina gosta de fazer o programa e faz bem – pode-se inferir isso pelo fato dela não ser novata. Ela já é veterana. E ela não tem se dado pior na escola por tais atividades. Agora, se ela vai ficar “traumatizada” no futuro por ter participado do programa do Silvio, isso vai depender do futuro do Silvio e dela mesma.

Caso um dia Sílvio se torne, para a história, o que o Collor se tornou, ninguém vai querer dizer que participou de programa dele. Maísa tentará apagar esse seu passado negro. Caso Maísa não seja instruída pelos pais e pelo próprio Silvio e sua equipe, no sentido de que ela pode não ser atriz no futuro, que pode terminar como o Pedrinho do Sítio do Pica Pau Amarelo (que a Rede Globo deixou na mão), aí sim as coisas irão seguir um caminho ruim. Portanto, é quanto ao fato de ver se Maísa agüenta ou não o mundo da competição, que todos deveriam estar preocupados. Mas, a preocupação com o comportamento de Maísa ou a preocupação com possíveis abusos contra ela no programa, isso não conta – não é algo que se deva levar a sério. Aliás, uma preocupação desse tipo nem deveria estar ocorrendo. Pois, quando se coloca isso em questão, o que está contando é antes o conceito de infância (que temos na cabeça) do que a criança Maísa.

As psicólogas que condenam a aparição de Maísa no programa não escrevem coisa com coisa. A fraseologia de uma boa parte delas é a do esquerdismo fora de propósito: o mundo capitalista do programa Sílvio Santos é o mundo do lucro e do demônio. É a ladainha de sempre, dos pouco inteligentes, que aprenderam duas palavras – neoliberalismo e globalização – e acham que podem transformar letra de música (“capitalismo selvagem”) em teoria social e psicológica. As psicólogas que escreveram escandalizadas contra o SBT estão preocupadas com o fato de “Maísa” “não ter limites”. E a questão da “barbárie” contra Maísa também conta, mas em segundo plano. Ora, se Maísa fosse comportadinha, ela não seria o personagem que se apresenta na TV. E ela sabe que ela está fazendo um personagem. Ela é criança, mas não é burra.

Agora, no caso da juíza que proibiu Maísa de aparecer no programa, o ato é meramente formal. A juíza aplicou a lei. Mas não quis ter o bom senso de interpretar e aplicar a lei para o caso específico. Novamente: contou o conceito de infância, não a criança. Ela não percebeu que Maísa, daqui para diante, irá sempre dizer: “a lei no Brasil é errada, ela pune quem quer trabalhar, quem quer sobressair”. Isso Maísa dirá no futuro, mais provavelmente. Agora, no momento, o que Maísa deve estar pensando é o seguinte: “fui culpada da minha desgraça e da falha do SBT e do Sílvio, fracassei, eu não devia ter chorado no programa”.

Nos dois casos, a juíza terá antes prejudicado Maísa do que colaborado com a sua proteção.

Tudo isso não é culpa da filosofia. Mas, se a filosofia quiser ajudar Maísa e também a nós, ela tem de parar de cultivar a noção de infância como conceito. Pois, como conceito, muita coisa que é criança está ficando de fora da idéia de infância, e muita coisa que não precisa de proteção está sendo protegida demais – inclusive em um sentido errado da palavra “proteção”.

Maísa é criança? Claro! Mas Maísa tem de ter a infância preconizada pela lei? A infância se tornou, agora, algo rígido e quem não couber nela, a pretexto de ser protegido, irá ser punido. Basta ver o que a lei atual faz com o trabalho do menor, e então isso que digo aqui ficará bem nítido.

Escrevi em 1996 que se Pinóquio estivesse em nossa sociedade ele não teria podido ir para a escola.[1] Não por não ter livros. Gepeto vendeu seu casado e comprou os livros. Pinóquio não iria para a escola por não ser “criança de verdade”. Um boneco de pau não passa no crivo do nosso conceito de infância (obviamente), e assim, o Pinóquio não teria direito à educação. Aliás, nem mesmo com a nova noção de “inclusão”! Mas, na sociedade de Gepeto, a escola não aceitava somente “crianças de verdade”. Sem o conceito de infância, a escola aceitava todos. Por isso, Pinóquio, após algumas peripécias, conseguiu freqüentar a escola. Aliás, tornou-se “menino de verdade” não só pela Fada, mas por ter sido socializado na escola. Na verdade, a escola, sem a Fada, poderia ter feito tudo que foi feito.

Maísa não é “criança de verdade” no programa. Então, todos ficam revoltados. Querem enquadrá-la no conceito de infância que temos. O mesmo que não enquadraria Pinóquio. A filosofia precisa parar de ser única e exclusivamente a construtora de conceitos para ser, também, a varredora do lixo das noções não úteis. A noção de infância ou o conceito de infância que estamos usando já deveria ter sido aposentado. Ele é novo, eu sei. Mas caducou jovem. Está só fazendo estragos nas mãos de toscos. E como os toscos sempre terão alguma voz, o melhor é tirar de circulação os conceitos que eles não sabem utilizar.

Não temos que criar outro conceito de infância. Temos apenas que tratar pragmaticamente, com inteligência, cada caso. No caso que temos na mão, o principal é ponderar o que realmente pode prejudicar Maísa, e não o que não pode e não vai prejudicá-la. Antes de tudo, precisamos não imputar os nossos traumas de adultos a uma idealização de criança que queremos ver em Maísa. Protegê-la de verdade, é outra coisa. É ver até que ponto todos nós não vamos esquecê-la como nos esquecemos do Pedrinho, o do Sítio, o da Globo.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo